UNSIGHTED é um jogo de ação Metroidvania desenvolvido pelo pequeno time de duas desenvolvedoras brasileiras chamado Studio Pixel Punk. Este texto colocará em foco a exploração de uma mecânica específica, mas ele também inclui uma discussão sobre outros aspectos da experiência.
UNSIGHTED é uma mistura de vários conceitos que já funcionaram no passado, mas reembalados em um pacote que acaba dando à ele uma cara nova.
Normalmente isto é uma característica que eu considero negativa por si só, mas nenhum destes conceitos introduzidos no jogo é jogado fora ou abandonado no meio da gameplay, então tudo acaba funcionando sem tropeços.
Considerando isto, não é muito difícil perceber de onde vieram as inspirações de UNSIGHTED. Tanto os designs das protagonistas (Alma e Raquel) quanto a escolha livre da ordem dos bosses que você quer enfrentar vieram de Mega Man X, enquanto as mecânicas de exploração vêm diretamente de Metroid, e, por fim, o sistema de upgrades e alguns pedaços da história se assemelham bastante a Nier: Automata.
Eu poderia continuar, mas nada disso realmente importa. Quanto mais tempo você passa jogando UNSIGHTED, menos estas comparações rasas vão fazendo sentido. Eu teorizo (sem evidências!) que o motivo das desenvolvedoras terem escolhido tantos conceitos já estabelecidos na indústria é para elas conseguirem se preocupar principalmente com a execução deles, e não com reinventar a roda.
O resultado compensa. Já de cara, os visuais de UNSIGHTED são de tirar o fôlego. Em seu estilo de hi-bit pixel art, as cutscenes não cortam nenhum detalhe (e nem quadros) para passar a maior quantidade de emoção possível da cena. Nas partes onde você detém controle os ambientes exuberam detalhes e animações claras.
Algo que é necessário considerando as mecânicas de combate rápidas e baseadas em reflexo acima de tudo. Além das animações inimigas demonstrarem claramente o início de seu ataque, eles piscam em vermelho para te ajudar a usar sua defesa, que se executada perfeitamente conta como um parry, uma mecânica essencial para lidar com quase tudo o que é jogado para cima de Alma.
O combate também pontua perfeitamente o constante estado de exploração em que você se encontra. Nas rédeas do mundo aberto de UNSIGHTED, você pode encontrar 5 dungeons principais que o levam aos bosses que carregam os fragmentos que você precisa para entrar na Torre da Cratera, sua última parada do jogo.
+LEIA TAMBÉM: 5 JOGOS BRASILEIROS INDIES PARA REDESCOBRIR O MERCADO NACIONAL
As ambições de UNSIGHTED também se situam em sua trama, principalmente em seus temas. Como dito anteriormente, a protagonista é Alma, uma Autômata, um robô com consciência. Todos os Autômatos proeminentes no universo do jogo também possuem sentiência, graças à um meteoro caído no centro da cidade de Arcadia que contém “Anima”, a fonte da consciência deles.
Uma sequência de eventos levou à outra, o que acabou resultando na evacuação dos humanos da cidade e o início de uma guerra. Os humanos conseguiram tomar o meteoro, roubando a fonte de Anima dos Autômatos e formando a “Torre da Cratera”. Sem Anima, vários deles começaram a gradualmente perder suas consciências, se tornando os “UNSIGHTED”.
Isso já seria motivo o suficiente para Alma, que foi criada com grandes capacidades ofensivas, tentar entrar na torre para salvar os outros Automatôs, mas sua parceira e claramente-namorada Raquel também desapareceu no meio do caos. Alma não conseguiu fazer nada para ajudá-la, já que estava em estase no laboratório de Zeferina, que também está desaparecida.
A Doutora Zeferina é uma das poucas humanas que estão do lado dos Autômatos, sendo criadora de Alma e Raquel. Ela já havia previsto que algo do tipo aconteceria, o que a fez distribuir cinco fragmentos dos quais ela havia pego do meteoro para estudar em cinco Autômatos confiáveis ao redor de Arcadia, além de mantê-los seguros.
Estes autômatos não aguentaram a longa falta de exposição à Anima e viraram UNSIGHTED, então Alma deverá tomar os fragmentos à força. Ela precisa deles para derrotar as criaturas poderosas criadas por humanos com Anima e entrar na Torre da Cratera, afinal.
Esta é a base da história de UNSIGHTED. Acredito que ficou claro que ele te apresenta muitas informações logo de cara, mas as explicações dentro do jogo são muito mais amigáveis do que parecem quando descritas exclusivamente por texto, então não se preocupe.
É fácil se distrair do quão deprimente a história de UNSIGHTED realmente é quando você contempla os lindos ambientes de Arcadia, mas sério, a história é bem pesada.
Todos os inimigos já foram Autômatos conscientes que viviam suas próprias vidas antes de as terem removidas à força (e acho que isso faz com que UNSIGHTED possa ser classificado como um jogo de zumbi, de um jeito ou de outro), e isto é algo que está sujeito a acontecer com qualquer um dos outros personagens ainda conscientes.
É aí que a mecânica de tempo entra em evidência pela primeira vez.
O tempo não para
Eu não sabia quase nada de UNSIGHTED antes de jogá-lo pela primeira vez, então a mecânica de tempo veio completamente de surpresa para mim, quase como um plot-twist.
Todos os personagens que ainda possuem Anima podem se tornar UNSIGHTED, incluindo Alma. Isso significa que após o breve prólogo, você está preso em uma constante corrida contra o tempo para salvar os Autômatos.
Todo NPC possui um contador de tempo de vida restante logo embaixo de seu nome, que determina quando sua reserva de Anima irá se esgotar.
Essa mecânica é o núcleo da experiência toda, e está lá para influenciar todas as ações que você irá realizar a partir do momento que é introduzido. O tempo de Alma é generoso, mas nem todo NPC tem o mesmo luxo que ela. Alguns possuem mais de 500 horas de vida, outros menos de 150, e a cada segundo de gameplay um minuto se passa.
Claro, UNSIGHTED não é o primeiro jogo que já cronometrou os jogadores nesse nível, mas o que é único nele é o fato de todos os outros personagens seguirem a mesma regra que você, mesmo com parâmetros diferentes, junto da implementação desta mecânica na exploração.
Entretanto, não podemos falar de como o tempo afeta a exploração sem antes falar dos personagens dos quais ele afeta. Alma acordou com amnésia, então até seus amigos mais próximos são reintroduzidos tanto para ela quanto para nós.
Logo que entrei na primeira vila do jogo, fui buscando conversar todos os personagens e anotando no meu bloco de notas quais estavam mais próximos de se tornar UNSIGHTED, definindo mais ou menos o quão rápido o jogo queria que eu o terminasse para atingir o “melhor final”.
Foi uma ação interessante (e desesperada), mas fútil por dois motivos distintos: Primeiro, você tem um menu de contatos para ver exatamente quanto tempo falta para cada um dos NPCs importantes com quem já conversou, e segundo, você pode aumentar a expectativa de vida deles com um item.
Este item é a Poeira de Meteoro, que contém Anima o suficiente para aumentar em 24 horas a vida de qualquer Autômato que a consumir. A Poeira está espalhada em diversos baús pelo mundo, e mais tarde pode ser construída com um investimento alto de pregos (a moeda do jogo).
Acho que já deu pra notar, mas eu estava imensamente preocupado com a possível morte de qualquer NPC, e estava calculando tudo em minha cabeça para tentar mantê-los todos vivos até os créditos rolarem.
UNSIGHTED consegue te fazer ligar para todos os personagens sem você nem ter conhecido eles ainda.
Afinal, todos eles são charmosos já de cara, então ligar para eles não é uma tarefa muito difícil. Sejam eles a amigável fada Iris, a antissocial-mas-bondosa Elisa ou o súcubo competitivo Rafael.
Você não passa muito tempo conversando com os NPCs no geral, então é importante que eles passem um senso de personalidade forte já no primeiro encontro. E isso ainda assim me impressionou, pois eu comecei e terminei UNSIGHTED sem conhecer quase nada sobre eles, mas ainda me preocupando com o bem estar de todos.
Um sentimento desses só é realmente efetivo por causa da implementação da mecânica na exploração. No meio de sua jornada por Arcadia, Alma vai inevitavelmente esbarrar em algumas Poeiras de Meteoro, mas achar o suficiente para manter todos os personagens vivos na sua primeira vez jogando é uma tarefa muito mais complicada.
Além de serem relativamente raras em comparação com os chips de upgrade que estão espalhados pelo jogo, elas costumam ser barradas por puzzles mais complicados ou precisam de equipamentos específicos para serem achadas.
Por padrão, UNSIGHTED te avisa quando Alma está próxima de um baú com Poeira de Meteoro, mas elas ainda são mais custosas que outros segredos.
O “custo” que eu digo é o seu tempo. Toda vez que eu acabei desviando do caminho correto para achar baús extras eu me senti culpado. Eu pensava: Será que não seria mais rápido se eu apenas seguisse em frente, mesmo sendo menos poderoso? Será que o tempo que eu passei buscando por segredos e achando apenas algumas Poeiras seria melhor gasto apenas matando inimigos e seguindo em frente?
Estas foram dúvidas constantes que pontuaram minha experiência com o jogo, e demonstram o quão bem implementadas foram as mecânicas de tempo. Eu não responderei estas perguntas neste texto, mas talvez você consiga ao jogar.
E isso não é tudo. Existem mais mecânicas ainda conectadas à Poeira de Meteoro. A principal fonte de cura de Alma é sua seringa, que ao usada recupera todos seus pontos de vida perdidos. Você pode recarregar ela em um checkpoint ou por si próprio ao matar inimigos, mas só pode carregar uma permanente no começo.
A única maneira de aumentar a quantidade de seringas em sua possessão é entregando três Poeiras à Elisa, que é quem as faz para você. Isso conecta mais uma parte do jogo à mecânica de tempo diretamente, e é algo que me fez tentar evitar aumentar minhas seringas no jogo todo.
Afinal, alguns dos NPCs tem pouquíssimo tempo e requerem muitas Poeiras para sobreviverem em uma primeira jogatina. O BB42, a Teresa e a Ana precisaram de mais de quatro cada um para eu me sentir seguro com o tempo restante deles, por exemplo.
E então eu continuei minha busca pelos fragmentos, tentando passar por todas as Dungeons o mais rápido possível e usando todas as Engrenagens de Efeito em minha possessão para matar os Bosses sem ficar preso. E eu consegui.
Eu acabei tendo que sacrificar vários baús no caminho, mas eu consegui. UNSIGHTED não é exatamente um jogo fácil, e houveram alguns momentos em que eu tive que me manter completamente focado para não morrer para alguns dos Bosses, mas no fim das contas eu consegui.
Mesmo se eu tivesse falhado, minha opinião não mudaria. UNSIGHTED me fez planejar todas minhas ações e ligar para todos seus personagens ao me pressionar constantemente enquanto me distraia com suas mecânicas impecáveis de combate e exploração.
No fim das contas, alguns NPCs ficaram com menos de 30 horas de vida restantes, o que foi o suficiente para me deixar desconfortável até o final.
E eu não parei. Neste momento, estou rejogando ele desde seu início na dificuldade desbloqueável “Apocalipse Robô”, e já posso dizer que várias coisas mudam além da pura dificuldade. Toda a dinâmica fica mais tensa, e seu senso de familiaridade com o design de sua jogatina prévia se esvai imediatamente após o prólogo.
Isto cimenta minha visão de UNSIGHTED como um jogo sobre constante adversidade e o peso que Alma carrega ao ser a única Autômata capaz de salvar sua espécie, e pela primeira vez sem o amor de sua vida, Raquel.
Jogar UNSIGHTED novamente no “Apocalipse Robô” pode te dar uma segunda chance de experienciar o jogo novamente como na sua primeira vez.